Por Matinas Suzuki Jr. em 24/6/2008
"Os dilemas apresentados pelas imigrações – e por seus eventuais desdobramentos racistas – não param de desafiar o mundo globalizado.
A novíssima política para a imigração ilegal na Europa, o desenvolvimento das rotas migratórias Sul-Sul, os debates sobre as quotas e o sobre o direito à diferença e à identidade cultural (a "mixofobia"), são questionamentos que o "homem que não para de se mover" suscita.
No Brasil da "democracia racial" e do "homem cordial", onde tudo se acomoda, celebra-se um dos casos retumbantes de "integração" racial por ocasião do centenário da imigração japonesa. Um locutor de rádio chegou a dizer que "quando o japonês acaba em uma escola de samba temos aí um exemplo acabado de assimilação total à vida brasileira".
O texto que se segue, publicado no suplemento dominical "Mais!", da Folha de S.Paulo (20/4/2008), procurou divulgar – para o público fora do mundo acadêmico – a revisão histórica que hoje se faz na universidade, revisão que mostra que a história da imigração japonesa está longe de ser um processo unilateral de "integração" à vida brasileira.
Mais ainda: trata-se de um percurso marcado por conflitos, por discriminações e por violências.
O historiador Fabio Koifman, após a leitura do artigo no "Mais!", me fez observações importantes sobre o Estado Novo, observações que ajudam a entender a complexidade e contradições da questão da imigração – nas análises sobre o racismo, a simplificação é um risco constante.
A pesquisa que o Datafolha realizou com japoneses e descendentes da cidade de São Paulo, em fevereiro, mostra que alguns valores importantes para a preservação da identidade, como casamentos e conhecimento da língua, são ainda fortemente cultivados pela comunidade nikkei.
Um em cada três japoneses ou descendentes declarou ao Datafolha que sente alguma forma de discriminação por parte dos brasileiros, uma proporção alta a desafiar o mito harmonioso da "integração" (a professora Sidinalva dos Santos Wawzyniak, do Paraná, prefere chamá-la de "estratégia de sobrevivência": o imigrante torna-se um "homem traduzido", alguém que não é mais de fora, mas também não é integralmente local"
Cômodos no porão
Em 10 de julho de 1943, sem aviso prévio, cerca de 10 mil "súditos do Eixo" (90% eram japoneses) foram obrigados a abandonar Santos em poucas horas, deixando todos os seus bens para trás. Em 3 de maio de 1944, o delegado-chefe do serviço de salvo-condutos, José Antonio de Oliveira, nega pedido de Miya Tekeuti, que estava em São Paulo e queria voltar a residir na Baixada Santista para ficar perto dos sete filhos, o menor deles com 12 anos.
A ladeira Conde de Sarzedas, no centro de São Paulo, foi um marco para os japoneses. O aluguel dos cômodos no porão dos sobrados era uma bagatela e grupos de japoneses passaram a morar nesses quartos, a partir de 1912. Ela passa a ser conhecida como a Rua dos Japoneses, iniciando a história da Liberdade como o bairro nipônico – nasciam ali os primeiros restaurantes japoneses da capital paulista.
Em 2 de fevereiro de 1942, os já numerosos nikkeis da Conde de Sarzedas e da Rua dos Estudantes são acordados durante a noite por agentes do Dops; foram avisados que teriam de abandonar a área em 12 horas. A cena se repetiria na véspera do 7 de setembro, desta vez com os japoneses tendo dez dias para se mudarem definitivamente da região.
Em 25 de maio de 1945, a mais famosa dupla do jornalismo brasileiro, composta pelo repórter Davi Nasser e pelo fotógrafo Jean Manzon, publica, em O Cruzeiro, uma matéria-ilustração inspirada em algo parecido feito pela americana Time, com o objetivo de ensinar os brasileiros a distinguirem um japonês de um chinês.
O japonês, segundo Nasser, entre outras coisas, é "de aspecto repulsivo, míope, insignificante".
Nas palavras do historiador Roney Cytrynowicz, em seu livro sobre o impacto da Segunda Guerra no dia-a-dia do paulistano (Guerra sem Guerra), "a opressão contra os imigrantes japoneses, diferente do que ocorreu com italianos e alemães em São Paulo, deixa claro que o Estado Novo moveu contra eles – a pretexto de acusação de sabotagem – uma campanha racista em larga escala".
Com o fim da guerra, os japoneses ganharam mais estigmas: os de fanáticos e terroristas. Eles estavam ligados às ações da organização Shindô-Renmei, uma tentativa desesperada de preservar o espírito nipônico e a veneração ao imperador japonês em terras estrangeiras, em criar uma pátria para despatriados. Seus membros jamais aceitaram "suportar o insuportável", não atendendo às históricas palavras de Hiroito ao comunicar aos súditos, por rádios e alto-falantes, a rendição japonesa.
Em um dos casos históricos mais curiosos de tentativa radical e desesperada de preservação de um passado em terra estrangeira, os membros da Shindô-Renmei (31.380 nisseis, segundo a polícia paulista, eram suspeito de pertencer à organização; em 1946, o Dops fichou 376 deles) e a maioria da comunidade japonesa no Brasil se recusavam a aceitar que o Japão havia perdido a guerra. A organização matou 23 e feriu 147 nipônicos, acusando de serem "derrotistas" aqueles que aceitavam a derrota do império do sol nascente.
Linchamento
Por causa do assassinato do caminhoneiro Pascoal de Oliveira, o Nego, pelo também caminhoneiro japonês Kababe Massame, após uma discussão, em 31 de julho de 1946, a população de Osvaldo Cruz (SP), que já estava à flor da pele com dois atentados da Shindô-Renmei na cidade, saiu às ruas e invadiu casas dispostas a maltratar "impiedosamente", na palavra do historiador local José Alvarenga, qualquer japonês que encontrassem pela frente.
O linchamento dos japoneses só foi totalmente controlado com a intervenção de um destacamento do Exército, vindo de Tupã, chamado pelo médico Oswaldo Nunes, um herói daquele dia totalmente atípico na história de Oswaldo Cruz e das cidades brasileiras.
Com o final da Segunda Guerra, o eclipse do Estado Novo e o desmantelamento da Shindô-Renmei, inicia-se um ciclo de emudecimento, de ambos os lados, sobre as quatro décadas de intolerância vividas pelos japoneses. Do lado local, foi sedimentando-se no mundo das letras, a idéia do país como um "paraíso racial". Do lado dos imigrantes, as segundas e terceiras gerações de filhos de japoneses se concentraram, a partir da década de 1950, na construção da sua ascensão social. A história foi sendo esquecida, junto com o idioma e os hábitos culturais de seus pais e avós.
Como diz a historiadora Priscila Nucci, da Unicamp, no seu trabalho Os intelectuais diante do racismo antinipônico no Brasil: textos e silêncios, até os estudos sobre a imigração japonesa passaram a se focar nas questões ligadas à "assimilação, integração e aculturação", deixando um vácuo, um "silenciamento ou minimização das discussões sobre o racismo contra os japoneses no Brasil"
Este texto foi retirado do site Observatório da Imprensa.
Se você quiser rever a matéria completa do escritor Matinas Suzuki Jr, acesse: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=491JDB001
- Hoje não preciso fazer nenhum comentário pessoal sobre o tema, só continuo dizendo como sempre que o Brasileiro tem uma memória fraquinha demais!
Um grande abraço!
segunda-feira, 30 de junho de 2008
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